Aprendendo
sobre a composição química da célula em rótulos de alimentos.
Palavras
chave - nutrientes, substâncias orgânicas, composição química da célula.
Introdução
O
PIBID – Ciências Biológicas do IFSULDEMINAS – campus Inconfidentes tem como objetivo central promover a
aprendizagem da docência por meio de processos reflexivos. Este trabalho relata
uma das experiências pedagógicas desenvolvidas no âmbito do programa, a partir
dos resultados sistematizados em diários reflexivos dos alunos bolsistas e em
reuniões entre os participantes.
O
contexto desta experiência inicia-se a partir das primeiras participações dos
licenciandos como observadores das aulas nas primeiras séries do Ensino Médio
em uma das escolas participantes do projeto levaram-nos à conclusão de que o
assunto que estava sendo tratado – a composição química das células vivas
- era um conteúdo de difícil compreensão
para os alunos, em função de exigir deles um elevado nível de abstração, uma
vez que se refere ao nível molecular da matéria. Com o desafio de tentar
articular este conteúdo a conhecimentos que já estivessem ao alcance da
compreensão dos alunos, os licenciandos procuraram desenvolver uma atividade de
ensino a partir dos alimentos presentes na dieta destes alunos e nas funções
fisiológicas relacionadas aos seus principais nutrientes. Termos como
“proteínas”, “carboidratos/açúcares” e “gorduras” estão presentes no senso
comum e têm sido objeto frequente nos meios de comunicação, sobretudo em se
tratando de uma geração com hábitos alimentares considerados não saudáveis e
preocupada com a questão da estética corporal.
Este trabalho apresenta
o relato desta atividade de ensino, entendida como uma alternativa metodológica
para promover a compreensão dos alunos sobre as substâncias orgânicas presentes
na célula e suas funções articulando tais conhecimentos aos conhecimentos
cotidianos dos alunos sobre alimentos e sua composição nutricional.
Referencial teórico
A
pesquisa sobre o ensino de Ciências
revelou a importância que têm no processo de aprendizagem as concepções prévias
que os alunos trazem à escola sobre os fenômenos da natureza (GILBERT, J.K.;
WATTS, B.M., 1983; DRIVER, R., 1989; SANTOS, M.E.V.M., 1991; MORTMER, E.F.,
1992; COBERN, W.W., 1996). Tais conhecimentos são construídos a partir de sua
relação espontânea com tais fenômenos e, sobretudo, das aprendizagens oriundas
das suas relações sociais com familiares e amigos. Muitas vezes, tais
conhecimentos estão em desacordo com os conhecimentos construídos pela Ciência
e, consequentemente, com os conhecimentos escolares. Pesquisas revelaram que os
conhecimentos prévios podem se constituir em verdadeiros obstáculos para a
aprendizagem escolar e, muitas vezes, permanecem pouco modificados após o
ensino. Ao mesmo tempo, defende-se que a aprendizagem escolar pode partir
destas concepções, a fim de re-significá-las em novas redes de conhecimentos. Por
isso, a literatura sobre o ensino de
Ciências enfatiza a importância de conhecer e considerar tais conhecimentos
prévios durante o processo de ensino. A aula expositivo-dialogada mostra-se
como uma alternativa metodológica adequada quando se pretende identificar tais
conhecimentos e estimular a aprendizagem escolar em diálogo com tais conhecimentos
(AEBLI, 1982; LORENCINI-JÚNIOR, 1994). A aula expositivo-dialogada consiste em
um processo de exposição do conteúdo pelo professor intermeado de questões que são dirigidas aos alunos com os
objetivos de a) verificar quais são os sentidos e significados que estão sendo
por eles construídos; b) identificar concepções espontâneas e c) estimular as
relações de pensamento que a estrutura interno do conteúdo requer ou as
relações deste com aspectos que se considerem importantes (como outros
conhecimentos ou com valores e atitudes, por exemplo).
Objetivos
Os objetivos desta atividade foram:
a)
que os alunos conhecessem a composição nutricional de alimentos comumente
presentes em sua dieta em termos de proteínas, lipídios e carboidratos;
b)
que os alunos relacionassem estes nutrientes às funções que eles têm dentro das
células vivas.
Metodologia
A metodologia proposta para a atividade
de ensino foi uma aula expositivo-dialogada a partir da leitura de tabelas
nutricionais presentes em rótulos de alimentos comumente encontrados na dieta
dos alunos. Como recursos de apoio foram utilizadas imagens projetadas em
projetor multimídia. A atividade foi planejada considerando quatro etapas:
1-
Contextualização da atividade na unidade
didática em estudo (composição química da célula);
2-
relembrando o processo de digestão e
absorção dos nutrientes;
3-
aprendendo a ler tabelas nutricionais;
4-
relacionando funções biológicas das
substâncias orgânicas com tipos de alimentos.
Iniciou-se
contextualizando com os alunos sobre o conteúdo que estava sendo abordado com
eles, que era composição química das células, substâncias orgânicas e
inorgânicas. Foi explicado que estas substâncias estão presentes também nas
nossas células e os questionamos sobre como essas substâncias chegam até as
nossas células, ao que alguns alunos responderam que é através da nossa
alimentação. A partir daí, foi apresentada uma breve explicação sobre o
processo de digestão dos alimentos, com o objetivo de que eles compreendessem
como, a partir dos alimentos, as substâncias orgânicas são transportadas para
dentro das nossas células. Essa apresentação foi feita com o recurso a um vídeo
que ilustrava todo o processo de digestão dos alimentos, mostrando todo o
processo até as moléculas serem absorvidas pelo sangue e levadas para dentro
das nossas células.
Na
terceira etapa, foram distribuídos de forma aleatória e para grupos de dois
alunos rótulos de embalagens de alimentos variados escolhidos pelos bolsistas,
levando em conta a necessidade de que houvesse alimentos com proporções
diferentes de carboidratos, lipídios e proteínas. Para uma melhor assimilação
da atividade, identificou-se que seria importante a projeção de uma tabela
nutricional em slide, para ensinar os alunos a lerem as tabelas que tinham em
mãos. Explicaram-se termos como quantidade por porção, VDR etc.
Após
a explicação sobre a leitura das tabelas nutricionais, os alunos foram
estimulados, por meio de perguntas, a pensar sobre “quais tipos de alimentos
nós podemos relacionar com altos níveis de caloria, com alimentos energéticos,
que ‘engordam’?”, “o que estes alimentos têm, em termos de composição
nutricional, em comum?”, “o que faz com que eles sejam alimentos calóricos, que
‘engordam’?”.
A
partir destas questões, estimulou-se os alunos a tentarem relacionar a
composição química dos alimentos ao fato de eles serem considerados
“calóricos”. Essas perguntas levaram os alunos a identificarem os altos índices
de carboidratos e de lipídios nestes tipos de alimentos, a partir do que foi
possível comentar com os alunos a função energética que essas substâncias
orgânicas têm dentro das células.
Usando
rótulos de embalagens ricas em proteínas (como embalagens de ovos, suplementos
alimentares), foi indicada a alta
quantidade de aminoácidos presentes nestas embalagens. A partir das questões “o
que será que essa quantidade de aminoácidos tem a ver com o efeito que esses
suplementos têm sobre o corpo?”, “qual o resultado que os atletas esperam da
ingestão desses suplementos?”, pôde-se explorar a função das proteínas como
substâncias plásticas, ou seja, aquelas que formam estruturas nas nossas
células, como por exemplo as fibras musculares.
Para
finalizar a atividade, solicitou-se aos alunos que comparassem as composições
relativas de carboidratos/proteínas em alimentos de origem animal e vegetal.
Eles puderam perceber que os alimentos de origem vegetal têm uma relação
carboidratos/proteínas maior que os alimentos de origem animal. A partir dessa
verificação, foi explicado a eles que isso decorre do fato de os vegetais terem
grande quantidade de celulose (carboidrato presente em suas paredes celulares),
substância orgânica que não existe nas células animais.
Considerações finais
No desenvolvimento desta atividade, pôde-se
perceber que a receptividade dos alunos não depende apenas do tipo de atividade
que é proposta. Em algumas salas que eram consideradas “difíceis” em questão de
comportamento dos alunos, estes se mostraram bem interessados pela atividade. Foi
relatado pelos bolsistas que até mesmo alunos que eram taxados como
“bagunceiros” , foram atraídos e bem participativos na atividade, fazendo perguntas. No entanto, em outras, houve
grupos de alunos que não se sentiram motivados a participar.
O fato de haver salas numerosas trouxe
certa dificuldade para a atividade. Alguns alunos ainda se mostraram dispersos
e não demonstraram interesse pelo conteúdo. A falta de conhecimentos básicos
sobre o conteúdo demonstrada por alguns alunos durante a atividade obrigou-nos
a elaborar, ainda que improvisadamente, explicações mais simples e de mais
fácil assimilação do que a proposta.
A atividade, de modo geral, despertou questões e afirmações variadas nos
alunos como “mas como o macarrão engorda se ele é salgado?”,”nós temos açúcar
armazenado no nosso corpo?”,”as sementes de soja são uma reserva de energia?”.
Essas questões confirmam o envolvimento dos alunos com a atividade, indicando
sua potencialidade para o estabelecimento de relações entre os conhecimentos cotidianos e os escolares.
Com relação à função das proteínas os
alunos precisaram de uma explicação maior sobre a substância e sua função. Além
do recurso aos conhecimentos que eles têm sobre uso de suplementos alimentares
por atletas, exploraram-se também seus conhecimentos sobre consequências da
carência de proteínas em dieta no desenvolvimento físico de crianças.
Após a atividade, vários alunos
relataram que queriam mais aulas deste tipo, isso mostra que trazer um conteúdo
de uma forma diferente a que eles estão acostumados pode ter uma repercussão
positiva.
Na discussão feita pelo grupo após a
realização da atividade, comentou-se que, em outra oportunidade, seria mais
adequado solicitar aos alunos que trouxessem os rótulos de seus interesses,
tentando assim já prepará-los para a atividade antes de aplicar. Outra sugestão
dada foi a de enfatizar mais as discussões com os alunos, tentando estabelecer
com eles mais relações sobre as substâncias que estão presentes na célula e os
hábitos alimentares cotidianos deles. Essa experiência assinalou que a aula
expositivo-dialogada, embora seja uma estratégia que possibilita melhores
níveis de aprendizagem, é mais difícil de ser preparada e de ser conduzida e
requer muito planejamento e estudo por parte do professor.
Ainda sobre isso, pôde-se perceber a
necessidade de estar preparado para perguntas que não estão diretamente ligadas
ao tópico de conteúdo em questão (substâncias orgânicas e suas funções). Ao
definir a atividade, foi elencado um conjunto de questões que, no entendimento
do grupo, poderiam ser levantadas pelos alunos tais como “o que é glúten?”, “o
que são gorduras trans?”, “o que são os anabolizantes e quais os riscos de seu
uso?” etc. No entanto, o repertório de dúvidas dos alunos foi além do que havia
sido previsto pelo grupo. Tratar sobre alimentos, corpo, saúde e estética estimula
e cria oportunidades a que os alunos expressem as suas dúvidas e, portanto,
para desenvolver este tipo de atividade é necessário ter grande domínio do
conteúdo e de conhecimentos de áreas correlatas.
Por fim, é importante ressaltar que,
embora a atividade tenha possibilitado a construção de significados sobre
substâncias orgânicas e suas funções biológicas, ela permitiu abordar apenas
parte deste conteúdo. Outras substâncias orgânicas, tais como ácidos nucleicos,
que também estão presentes nos alimentos, não foram exploradas; além disso,
certas funções biológicas das substâncias orgânicas não foram tratadas, como a
função enzimática das proteínas.
Referências
bibliográficas
AEBLI,
H. Prática de Ensino. São Paulo: EDUSP, 1982.
COBERN, W.W. Worldview theory and conceptual change in
science education. Science
Education, v. 80, n. 5, p.
579-610, 1996.
DRIVER, R. Student´s conceptions and learning of
science. International Journal of
Science Education, v. 11, n. 5, p. 481-490, 1989.
GILBERT, J.K.; WATTS, B.M. Concepts, misconceptions
and alternative conceptions. Studies
in Science Education, n. 10, 1983.
LORENCINI-JÚNIOR,
A. O ensino de Ciências e a formulação de perguntas e respostas em sala de aula.
In.: Cadernos de texto da 3ª jornada de
Verão. Serra Negra: FEUSP, 1994. Mimeo.
MORTMER,
E.F. Pressupostos epistemológicos para uma metodologia de ensino de química:
mudança conceitual e perfil epistemológico. Química Nova, v. 15, n. 3, p. 242-249, 1992.
SANTOS, M.E.V.M. dos.
Mudança conceptual na sala de aula - um desafio pedagógico. Lisboa:
Livros Horizonte, 1991.