Aprendendo
a ser professor/a por meio de processos reflexivos.
Palavras
chave - Reflexão, docência, experiência.
Introdução
O
subprojeto do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas do Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia do sul de Minas Gerais (IFSULDEMINAS) - campus Inconfidentes toma como eixo
central o papel da reflexão no processo de formação docente. Isso significa
que, para além da oportunidade que o projeto oferece aos licenciandos de que
experienciem o ambiente escolar e desenvolvam atividades de ensino junto aos
alunos da rede pública de educação básica, busca-se desenvolver entre a equipe
(coordenadora, supervisores e licenciandos) uma comunidade de aprendizagem na
qual se promovam processos de reflexão que criem oportunidade para a
explicitação e compartilhamento de conhecimentos e concepções sobre a docência.
Parte-se do pressuposto de que a dimensão prática do fazer docente, quando
considerada de modo estanque, contribui apenas para a cristalização de
concepções e de preconceitos, não permitindo uma aprendizagem da docência que
tome a escola e tudo o que nela ocorre como um cenário no qual múltiplos
fatores relacionam-se de complexa. Com o objetivo de promover tais processos
reflexivos, foram escolhidas duas ferramentas reflexivas: o registro escrito
(individual) em diário reflexivo e reuniões coletivas de todo o grupo (coordenadora,
supervisoras e licenciandos) para
planejamento de e discussão sobre as atividades realizadas. Tais reuniões são
conduzidas com o objetivo de promover processos reflexivos que tomem a prática
docente como objeto de crítica permanente. Pretende-se, assim, desenvolver nos
licenciandos uma ampliação de sua capacidade de análise crítica do fazer
docente, superando as explicações óbvias e as relações do senso comum que tanto
têm prevalecido nas análises sobre a qualidade da educação brasileira nos
sistemas públicos de ensino.
No contexto do subprojeto tem se
desenvolvido uma pesquisa que tem como objetivo verificar as potencialidades e
limitações das ferramentas reflexivas na formação inicial no contexto do PIBID
como programa de formação docente.
Objetivo
O
objetivo da pesquisa aqui relatada é o de identificar potencialidades e
limitações no uso dos diários reflexivos para a aprendizagem da docência.
Os
dados foram coletados dos diários reflexivos dos licenciandos e das suas
participações nas reuniões coletivas semanais. A análise, ainda em nível
inicial, é de cunho qualitativo e, neste primeiro momento, buscou identificar:
a) elementos a partir dos quais se possa descrever as aprendizagens dos
licenciandos a partir dos instrumentos de reflexão e b) dificuldades e
limitações no uso destes instrumentos explicitadas pelos licenciandos.
Fundamentação teórica
A
perspectiva sobre a formação docente que este projeto adota coaduna-se ao
paradigma da racionalidade prática, tal como este é descrito por Mizukami et al. (2002).
Nesta
abordagem, a formação docente é entendida como um processo contínuo que se dá
ao longo da vida do professor e não em
momentos estanques de formação (KNOWLES e COLE, 1994). Ao longo do continnum que é o seu processo
formativo, o professor produz os conhecimentos que orientam a sua prática,
configurando um quadro de teorias pessoais
sobre o ensino. Assim, o professor é compreendido como sujeito de
conhecimento e não como simples executor de ações planejadas e definidas em
esferas exteriores a ele. No entanto, a natureza dos conhecimentos que o
professor coloca em ação na sua prática cotidiana é distinta da natureza dos
conhecimentos científicos. O que não significa que, na elaboração de seus conhecimentos,
o professor não lance mão dos conhecimentos teóricos que possua. Significa
apenas que, ao tomar decisões na escola, o professor não aplica automaticamente
os princípios que apreende da teoria, mas elabora novos conhecimentos, carregados
das particularidades pessoais e contextuais.
No
continuum de seu desenvolvimento
profissional, o professor estabelece relações (nexos) entre experiências de
vida, valores, aprendizagens formais e informais, objetivos profissionais etc.
O processo de reflexão é entendido como aquele capaz de promover o
estabelecimento destas relações e de aumentar o nível de consciência do
professor sobre as suas teorias pessoais de ensino. A reflexão na prática docente pode ser
definida, segundo citação de Mizukami et al.
(2002), como:
[ ]uma ação que implica uma consideração ativa,
persistente e cuidadosa daquilo em que se acredita ou que se pratica, à luz dos
motivos que o justificam e das consequências a que conduz. (Zeichener, 1993,
p.18)
Importante é ressaltar que existem
distintos níveis de reflexão, desde o técnico até o crítico, este último
entendido como aquele que é capaz de promover a análise ética e política da
própria prática (MIZUKAMI et al., 2002).
Diversos
têm sido os instrumentos que a literatura e a prática formativa docente têm
adotado no sentido de fomentar processos reflexivos nos docentes em formação, tais
como os casos de ensino, os diários reflexivos, as biografias, as histórias de
vida, os portfólios (CUNHA, 1997; FALKEMBACH, 1987; KNOWLES, COLE, PRESSWOOD,
1994; MIZUKAMI, 2000; ZABALZA, 1994). Todos estes instrumentos privilegiam o
uso de narrativas, sobretudo escritas, que podem ser entendidas como a maneira
mais autêntica de expressão das experiências humanas (CLANDININ, CONNELLY, 2006).
O fato de se dar ênfase à expressão escrita dos docentes nestes instrumentos
refere-se à possibilidade que a escrita oferece para a reorganização de ideias
e de sentimentos (CUNHA, 1997).
Autores
têm apontado a necessidade de que os processos reflexivos na formação docente
sejam coletivos, incentivando o estabelecimento de comunidades de aprendizagem
nas quais o desenvolvimento docente é potencializado pelas trocas entre pares
(MIZUKAMI et al., 2002)
Considerações finais
Os
resultados, ainda preliminares, apontam para dois conjuntos importantes de
conclusões.
O primeiro deles corrobora a tese de
que os instrumentos reflexivos potencializam a produção de sentidos e a construção
de significados para a prática docente. É possível identificar a partir dos
instrumentos reflexivos, que os licenciandos vão ampliando sua compreensão
sobre os aspectos que interferem na aprendizagem escolar dos alunos, desde
aqueles relativos às motivações intrínsecas para estar na escola até as
condições mais amplas delineadas pelas políticas públicas. Alguns trechos
extraídos dos diários reflexivos podem ilustrar essa afirmação.
“a partir do momento que comecei a
observar também o comportamento dos alunos, veio uma análise de como eu me
comportava na escola quando era aluno de ensino médio, na verdade o perfil de
pesquisar e procurar informações além da sala nunca foi meu forte, esse é o
comportamento típico de aluno mesmo, mas hoje fico pensando muito em como mudar
essa situação” (Carlos, diário reflexivo)
“temos que deixar claro qual é o
nosso OBJETVO na sua (da atividade de ensino) realização, além
disso, o professor tem que despertar no aluno o desejo por aprender; já que
este desejo não vem pronto e sim o professor busca maneiras de fazer com que o
aluno realmente adquira esse interesse” (Maíra, diário
reflexivo)
“Depois que fizemos a atividade
fiquei pensando em como é difícil montar uma atividade e ainda ter o domínio da
turma e cheguei a ponto de pensar que isso seja um dos motivos desestimulantes
da carreira de docente, é muito trabalhoso, sacrificado e muitas vezes não é
valorizado.” (Jéssica, diário reflexivo)
“percebemos que o problema não era
apenas por parte dos alunos, era também a falta de organização e, o que é mais
importante, o interesse e o prazer de dar aula.”
(Miller, diário reflexivo)
“é necessário que haja uma conscientização do papel da
escola na divisão social.”
(Tamires, diário reflexivo)
“Nos
direcionamos para a sala de aula e um dos alunos me disse ‘- Você é a única que
chega com um sorriso no rosto’ E realmente parece que não há muita simpatia
durante as aulas. Uma relação de harmonia entre alunos e professores parece que
deixa a aula mais agradável e menos mecânica.” (Rovânia,
diário reflexivo)
Estes tipos de dados, no entanto,
ainda necessitam de uma análise mais criteriosa, a partir, por exemplo, das
categorias de conhecimento da base de conhecimento para o ensino (SHULMAN,
1986), a fim de se verificar as potencialidades das ferramentas reflexivas para
promover a ampliação desta base. Outro conjunto de dados remete a
algumas limitações quanto ao uso de diários reflexivos pelos licenciandos. Tais
limitações referem-se às dificuldades que os licenciandos apresentam no uso do
diário reflexivo como instrumento para reflexão. Os registros nos diários,
algumas vezes, atêm-se a aspectos menos subjetivos, como a descrição dos
eventos nos quais os bolsistas participarem como agentes ou como observadores.
Apesar de reconhecer que mesmo este tipo de registro não deixa de ter a sua
dimensão subjetiva, o que se está pretendendo destacar aqui são aqueles tipos
de registros que mais se aproximam de um relatório de tarefas e de observações
do que propriamente de diários reflexivos. Outros registros são superficiais,
próprios de quem escreve com pressa ou com maior distanciamento temporal dos
eventos aos quais os registros se referem. Tais dificuldades puderam ser explicadas
no contexto do projeto pelos seguintes fatores: a) pouca familiaridade dos
licenciandos com os registros pessoais escritos; b) necessidade de
disciplinar-se e de distribuir o tempo dedicado ao projeto de modo a contemplar
a escrita dos diários; c) dificuldade dos licenciandos em realizar registros
escritos durante as atividades do projeto. Resta saber se a experiência com
este instrumento será capaz de superar, e em que medida, tais dificuldades.
Referências
bibliográficas
MIZUKAMI, M.G.N.
et al. Escola e aprendizagem
da docência: processos de investigação e formação. São Carlos: EDUFSCAR, 2002.
KNOWLES, J.G.;COLE, A.L.; PRESSWOOD, C.S. (1994)
Throug preservice teacher´s eyes: experiences through narrative and inquiry.
New York: MacMillan College Publishing Co.
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